A Bíblia usa linguagem concreta. E daí?

Compare-a com os conceitos abstratos dos gregos.

No seu livro sobre a filosofia religiosa, J.P. Newport trata da importância da natureza concreta da linguagem bíblica. Esta questão pode ser observada no contraste com a perspectiva dos gregos sobre a filosofia. Os hebreus não tratavam de assuntos abstratos, como o ser e tornar-se, a matéria e a forma, as definições e as demonstrações, mas sim com pessoas, locais e eventos específicos na História.

O contraste é grande entre os dois modos de pensar. Os gregos tratavam da natureza das coisas em termos abrangentes. A Bíblia fala de viúvas e órfãos e sobre a corrupção de juízes e o comércio do mercado. A Bíblia se posiciona como uma revelação do Criador, que se cuidou de todos os detalhes da sua obra e se atenta para os pormenores da vida humana diária e do seu destino eterno.

Dessa forma, a natureza concreta da Bíblia consegue falar muito mais a respeito da realidade das coisas do que a terminologia abstrata grega.

Mesmo as figuras de linguagem da Bíblia são tiradas de coisas concretas e trazem as coisas espirituais para a realidade do homem comum. Newport faz uma observações importante:

“Deve ser lembrado, porém, que a Bíblia quase nunca se limita a apenas uma imagem concreta ao descrever a verdade bíblica; em vez disso, utiliza múltiplas imagens para transmitir a plena verdade bíblica sobre determinada realidade”.

Podemos pensar nas várias parábolas de Jesus em Mateus 13 para descrever a natureza do Reino. Frequentemente, Paulo muda rapidamente de uma figura de linguagem para outra (ver 2Tm 2.3-6, por exemplo) e isso é proposital.

Newport oferece outro exemplo, o de Deus como um pai, um rei, um senhor e um marido. Algumas imagens se demonstram mais eficazes que outras e por isso são mais usadas na Bíblia.

Também, uma única imagem pode ser usada para retratar várias realidades diferentes. A figura do pastor pode ser usada para retratar uma imagem de Deus como fonte de direção e conforto, como se pode ver no querido Salmo 23, ou para descrever uma imagem de alguém que sofre por ser alvo da ira de Deus, Jr 25.34. Por isso, é importante, novamente, atentar ao contexto. (Recentemente, escrevi que “contexto é rei” – utilizando outra imagem.)

Newport termina sua discussão sobre a concretude da linguagem bíblica com esta afirmação: “O propósito principal do estudo da Bíblia, portanto, deve ser o de adquirir uma experiência das realidades que ela descreve”.

Certamente, a maior realidade é o Deus eterno e invisível. Ele se apresenta a nós na Bíblia em termos e imagens que podemos entender. A Bíblia não é um livro técnico da Ciência ou da Filosofia, e muito menos um livro para satisfazer a curiosidade. Nela temos a Palavra da Vida, o Caminho do Retorno.

A natureza concreta da Bíblia poderia levar alguém a pensar que os muitos fatos, eventos, pessoas e locais nela mencionados produzem uma obra de tão grande variedade que seja impossível perceber uma unidade maior ou uma linha principal de pensamento. Muito pelo contrário! É justamente a sua concretude que forma a sua estrutura, sinaliza o envolvimento de Deus na vida do ser humano e fornece às Escrituras a unidade que sempre aponta o prosseguimento do projeto da salvação.


O referido volume é Life’s ultimate questions (Dallas: Word, 1989), págs. 115-116. Para mais sobre as figuras de linguagem e imagens na Bíblia, ver J.G. Williams, Introdução ao estudo da Bíblia.

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